domingo, 1 de novembro de 2015

por Frederico Spencer

“mais uma tarde está indo
                                  embora
a noite já se arruma com suas luzes”.

Miró



Quando leio um livro de poesia enfrento, de cara, algumas perguntas interessantes: qual a função da poesia para o poeta?  Qual a função da poesia para o mundo e ainda, qual a função da palavra para o poeta? O caminho mais curto, se este existe, é começar pela última pergunta, neste caso “os últimos serão os primeiros”. A partir daí buscar as respostas que faltam neste quebra-cabeça.

A palavra é a ferramenta primordial do poeta para exercer seu ofício. Nesta relação deverá haver além do amor incondicional, um estreito relacionamento entre ambos, neste caso, o amor não pode ser platônico, mas carnal.

É preciso, antes de tudo, conhecer o signo e suas multifaces, esmiuçar sua alma, despir a palavra de seu primeiro encanto - que é o maior problema para aqueles que gostam de escrever, entregar-se no seu primeiro beijo. Antes de assumi-la deve-se desconfiar dela, de sua plástica, de sua estética, de sua prosa. O foco é sua alma, dissecar seu interior em busca de seus mistérios - qual medusa ela recusa o olho no olho - portal de seus medos.

Miró mostra esse poder de trazer ao mundo o conteúdo simbólico de sua alma de poeta, não se entrega à atração feminina do símbolo, ao contrário, retira dele a substância necessária para transformar em matéria viva suas inquietações de artista vivente num mundo antagônico: “As pessoas estão passando / para mais uma segunda-feira / eu sentado no banco da praça / ainda sou domingo”. Forjando dessa maneira, numa bigorna, o conteúdo de seu pensamento estético, do seu “estar no mundo”.

No verso: “olhei para o passado / as folhas do calendário / caindo”, a poesia retoma seu papel, desmistificando-se em relação ao poeta, de transformadora da realidade, jogando escritor e leitor a outro mundo: subjetivo e rico de significações, transcendendo o cotidiano para outro universo sem datas para acabar, o homem alcança sua infinitude através da escrita, documento de sua estada neste planeta, sem a solidão aparente da vida: “solidão é no caixa eletrônico / esquecer a senha”.


Assim é Miró e sua poesia, todas as perguntas foram respondidas.

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